O Caminho de Santiago: começa o desafio.


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May 28th 2012
Published: August 20th 2012
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Ser peregrino é....Ser peregrino é....Ser peregrino é....

Respeitar cada desafio e superar limites.
Pouco tempo após entrarmos no agradável e tranquilo bosque que, segundo dizem, outrora fora palco de violentas caças às bruxas, já chegamos a um primeiro pueblo, onde encontramos um mercadinho aberto para comprar um iogurte como café da manhã. Seguimos por belos bosques, campos e pequenos pueblos e, antes que nos déssemos conta, já havíamos percorrido mais da metade do percurso do dia, e selecionado, entre os galhos caídos, aqueles que seriam nossos primeiros cajados da jornada. Fizemos uma parada de meia hora para recobrar as energias e seguimos adiante.

Porém, com o passar das horas, a paisagem vai mudando, o sol se colocando a postos e a mochila vai ficando cada vez mais pesada. Uma passagem um pouco mais descampada e um sol mais forte na nuca já foram suficientes para que tivéssemos que nos embrenhar entre as árvores de um bosque mais abrigado para tirarmos algumas das camadas de roupas que nos mantinha quentinhos ao amanhecer no alto dos pirineus e agora, no auge do calor, nos fazia suar em bicas.

Daí em diante, o caminho se fez mais tranquilo e entramos no arborizado e belo Valle do Erro, onde encaramos uma descida mais íngreme envolta por
ZubiriZubiriZubiri

As lindas cores do amanhecer trazem um novo dia de jornada.
mata mais densa, que nos levava até Zubiri, nosso primeiro ponto de pernoite ao longo do caminho. E, como se repete em várias das paradas do caminho, o pueblo era basicamente isso mesmo: apenas um ponto de pernoite.

Chegamos ao albergue por volta das 13h45, carimbamos nossas credenciais, pegamos nossas camas, tomamos banho, lavamos nossas roupas e comemos alguma coisa. Depois, descansamos um pouco e, após o horário da siesta, quando quase tudo está fechado, encontramos um restaurante e pedimos um menu do dia (acredito que o pior que comemos em todo o caminho). Alimentados, voltamos ao albergue, recolhemos nossas roupas e fomos dormir como crianças.

Manhã seguinte, acordamos e, a cada movimento mais forte, nos lembrávamos: sim, devíamos ter nos preparado um pouquinho melhor para a trajetória. Eram como facas fincadas fundo na carne de nossos ombros. Mas, fora só um dia, nossas pernas estavam boas e, com pouco tempo andando, já aquecidos, estávamos como novos. O início deste trecho é sombreado e agradável, sempre acompanhando o rio Arga, mas o final – sim, no final, quando o sol é mais forte e estamos mais cansados – fica mais descampado e repleto de subidas e descidas, num
PamplonaPamplonaPamplona

O coração bate mais forte à medida que nos aproximamos da chegada triunfal entre as muralhas medievais
primeiro teste para nossos joelhos. O dia termina muito bem, chegando novamente à primeira cidade do caminho: a bela Pamplona.

Em uma entrada de gala à cidade, passamos por um antigo portal das muralhas medievais, que ainda estão ali, cruzamos belos parques e praças até chegarmos novamente ao albergue municipal, que fica muito bem localizado no centro antigo da cidade, ao lado da grandiosa Catedral gótica de Santa María. É sexta feira e no final da tarde, as ruas se enchem de vida, numa efervescência contagiante. São inúmeras manifestações culturais, num carnaval de músicas, danças e apresentações com influencias árabes, irlandesas, africanas e até espanholas. Como é comum em toda a Espanha, as pessoas vivem intensamente a vida fora de casa, aproveitam as agradáveis temperaturas e o sol que se vai tarde nessa época do ano. É só um convite para a noite que está apenas começando. Mas não para nós, que somos peregrinos. O albergue fecha cedo e amanhã temos que acordar cedo para recomeçar nosso caminho.

O terceiro dia foi um dos mais duros. Com a pele curada pelo sol nos primeiros dias, os peregrinos começam a acordar cada vez mais cedo para prolongar o tempo
Pico del Perdón Pico del Perdón Pico del Perdón

No topo há uma escultura em homenagem aos peregrinos. Porém o mais impressionante é a força do vento e a vista de cima da montanha conquistada.
de caminhada em temperaturas mais amenas. Cinco da manhã já começam as movimentações e se torna impossível continuar dormindo. Os joelhos já castigados no dia anterior têm que encarar uma jornada pesada, com o duríssimo Pico del Perdón. O dia é de enorme provação. Com paisagens mais monótonas e o corpo começando a sentir um ritmo diferente do que está habituado, a mochila já pesa mais e os quilômetros demoram mais para passar. É preciso buscar formas de se concentrar e superar as dificuldades. É nessas horas que nos apegamos ou buscamos aquilo que nos traz força e significado. Já surgem as primeiras reflexões. Começamos a ter que nos desligar do ritmo interno que tínhamos antes do caminho e buscar um novo ritmo, para encará-lo.

A subida do Pico é cansativa e nos leva ao Alto del Perdón, onde há uma obra em homenagem aos peregrinos. Sob vento fortíssimo, que alimenta as famintas e enormes hélices para captação de energia eólica, que dominam a paisagem até o horizonte, se tem uma bela e ampla vista: de um lado o percurso já percorrido e, de outro, o percurso por vir. E essa é a parte mais temida do dia.

Se a subida é um teste para os pulmões, a descida é um golpe baixo contra os já fadigados joelhos. A dor começa a ficar mais aguda e cada passo é sentido. Um passo mal calculado, um deslize nas pedras soltas que cobrem todo o caminho é cruel. Quase um choque. Não sentimos mais nada. A mochila parece nem estar mais ali (ao menos um bom efeito colateral).

O final da descida é um alívio e, a partir daí, o caminho fica mais tranquilo e passamos por campos cobertos pela primavera com belos tapetes vermelhos de papoulas, até o simpático pueblo de Obanos. O dia termina em Puente la Reina, passagem obrigatória dos peregrinos, que tem seu nome oriundo da lendária ponte românica aí construída no século XI, supostamente por ordem da Rainha, para facilitar a passagem dos peregrinos pelo rio Arga. É um pueblo muito bonito, mas a Fá já não consegue apreciá-lo da mesma forma – sua atenção já dificilmente se desvia daquilo que mais a consome naquele momento: as fortes dores nos joelhos.

Já começamos o dia seguinte atravessando a famosa ponte e seguimos por um percurso mais tranquilo, apesar de algumas subidas, passando por
Puente la ReinaPuente la ReinaPuente la Reina

Fotogênica, a ponte foi construída especialmente para facilitar a peregrinação: nós agradecemos!
trechos remanescentes de calçadas romanas e por interessantes pueblos medievais. Porém, num momento mais tranquilo, relaxado, a Fá deu um passo em falso e sentiu uma pontada de dor muito forte no joelho. E foi com muita força e superação, intercalando dores nos dois joelhos, que ela chegou ao final do trecho do dia, na bela cidade de Estella, que recepciona o peregrino com belíssimos prédios históricos já na entrada da cidade, como a Igreja del Santo Sepulcro e o Palácio de los Reyes de Navarra. Mal conseguindo subir os degraus da escada do albergue, a Fá foi direto para a cama descansar, tentando se recuperar para o dia seguinte. Mas ao acordar no final da tarde, com o corpo frio, mesmo com efeito de alguns anti-inflamatórios, sentia tanta dor que já nem sabia mais se daria para continuar.

Ao final desses quatro dias caminhando, já podíamos dizer que havíamos passado por uma experiência rica e intensa, recheada de paisagens diversas, passando por interessantes pueblos e cidades, e, sobretudo, por fortes momentos de dor e superação, que também vão gradativamente nos deixando mais fortes e preparados para o que vem pela frente. A rotina de acordar (muito) cedo e começar a caminhar já começava a se tornar mais natural para nós. Interessante notar que boa parte dos peregrinos que iniciam o caminho francês é composta por pessoas mais velhas, que servem de exemplo para nós. Não raras vezes nos deparamos com senhores e senhoras de 70, 80 anos fazendo o caminho. E, aqueles que se prepararam melhor, ainda não estavam sofrendo mais do que nós mesmos até ali. Também nos surpreendemos com a quantidade de Europeus que não sabem falar mais do que seu idioma nativo. E ainda assim, é curioso ver como todos se comunicam. Num desses papos, mesclando português, espanhol, italiano e mímica, conhecemos um divertidíssimo italiano, Ivan, que fazia o caminho com uma esperta mochila sobre um carrinho de rodinhas e, assim como seu sogro, usava – todos os dias – discretas calças listradas cor de rosa, verde e amarela, presas ao tornozelo, que o tornava reconhecível a centenas de metros de distância. Apenas uma das figuras que faziam parte deste caminho que, neste momento, temíamos seriamente ter que abandonar prematuramente. Se a situação era aquela ao final de 4 dias de caminhada, o que seria de nós após 31 (ou mais)?


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Portal de entrada de PamplonaPortal de entrada de Pamplona
Portal de entrada de Pamplona

Entrada através do labirinto de muralhas nos transporta de volta à idade média.
Pamplona entre as muralhasPamplona entre as muralhas
Pamplona entre as muralhas

De óculos por que o caminho está deixando a Fá mais inteligente... ou cega?!
Monumento á San Fermín - PamplonaMonumento á San Fermín - Pamplona
Monumento á San Fermín - Pamplona

A famosa corrida com touros pelas ruelas da cidade medieval ocorre durante a Festa de San Fermín no mês de julho. Desta vez estávamos muito adiantados!
Catedral de PampolnaCatedral de Pampolna
Catedral de Pampolna

A fachada neo clássica (meio sem graça) esconde proporções grandiosas de um rico interior em estilo gótico.
Felicidade no topo do PicoFelicidade no topo do Pico
Felicidade no topo do Pico

Mal sabia que o pior ainda estava por vir.
ObanosObanos
Obanos

Grata surpresa do caminho esse pitoresco pueblo medieval.
Puente de la ReinaPuente de la Reina
Puente de la Reina

Entrada da lendária ponte ao amanhecer.


20th August 2012

As fotos estão lindas, e a narrativa com clima de suspense!! Que determinada a Fa, heim!? Aguardando os próximos capítulos! Beijos
21st August 2012

Estou adorando ler seus relatos! Me emocionam!! Continuarei seguindo com vocês!! Sempre......... Beijos
21st August 2012
O que será que o caminho nos reserva adiante?

Esperanca?
Pela foto o caminho parecia levar a alguma especie de lugar bom. Mas, apesar das dores, parece que o lugar bom era o proprio caminho.
3rd September 2012
O que será que o caminho nos reserva adiante?

Essa é a idéia: mais vale a jornada que o destino!
21st August 2012
Ponte pelo caminho.

...cade o Italiano???
Legal! Mas espera um pouco... cade a foto do Italiano com calca do Obelix colorida e mochila de rodinhas???? Vai dizer que voces nao tiraram? Agora estamos curiosos! Ja que tiveram tanto contato com a cultura medieval, o Fe precisa aproveitar para por em pratica as aulas de caricatura e fazer um retrato deste cara, a moda antiga, pra gente poder imaginar como era a figura!!!
3rd September 2012
Ponte pelo caminho.

Não tiramos foto do cara.. Faltou essa.. Mas é melhor para não frustrar a imagem que você construiu na sua cabeça... Aliás, inclua um bigode, barbichinha, rosto redondo, cabelo quase raspado e um sorriso fácil...
21st August 2012

Viagem MARAVILHOSA!!!!!!
Estou adorando acompanhar a viagem pelo blog, realmente é uma viagem incrível, aproveitem muitoooooooo e fiquem com DEUS. Abração.
3rd September 2012

Obrigado Paula! Ficamos felizes que esteja sempre nos acompanhando! Bjo
22nd August 2012

Continueeeeeemmmmmmmmmm
Cumpadres, como assim? Como assim vcs param de postar no meio de um suspense da Fá? AJUDA GENTE! Precisamos saber como continua essa história! Uma pergunta, vcs leem esses comentários? Beijocas e cuidem-se (ah e mega saudades!)
3rd September 2012

Claro que a gente lê! Aliás, respondo com outra pergunta: vc vê a nossa resposta? Rs bjo
4th September 2012
Ponte pelo caminho.

Hum...
Entao estou mudando a imagem. Imaginava alguem tipo o Roberto Benini com roupa do Obelix, mas pelo jeito ele era gordinho... ou so o rosto redondo?

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