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Published: August 12th 2012
Albergue Pamplona
A primeira noite oficialmente como peregrinos.Após essa breve passagem pelo país basco, finalmente chegamos ao momento que tanto aguardávamos: o início do Caminho de Santiago. Esse seria o verdadeiro início de nossa viagem, mergulhando mais a fundo em uma experiência realmente diferente e transformadora.
O flerte com o caminho já existe há muito tempo, principalmente pela origem galega de um de nós (Fe). Todo o desafio físico, mental e até espiritual que uma peregrinação dessa duração representa, sempre foi um estímulo muito grande para nosso imaginário. Principalmente nesse caso, podendo ser uma verdadeira virada de página para nossa nova fase de vida.
O caminho de Santiago nasceu como uma peregrinação religiosa por volta do século IX. Segundo se conta, após a ressureição de Cristo, os apóstolos começaram a espalhar suas palavras em terras desconhecidas e Tiago seguiu até Finisterrae, ponto extremo oeste da Europa que, como o próprio nome indica, até então era considerado o fim do mundo. Após anos de evangelização, o apóstolo retornou à Palestina, onde acabou sendo condenado à morte. Seu corpo foi levado por seus discípulos de volta à região de Finisterrae, onde foi sepultado. Centenas de anos se passaram e, no início do século IX,
Estrada Pamplona/Roncesvalles
A emoção vai aumentando a cada curva que contorna os Pirineus o eremita Pelayo seguiu luzes que partiam de um bosque durante a noite e encontrou o local onde estava o sepulcro de Tiago. A notícia foi rapidamente levada ao rei Afonso II, que mandou construir ali uma capela e um monastério, tornando-se o primeiro peregrino a visitar o local. Assim nasceu um dos mais importantes centros de peregrinação do mundo: o Caminho de Santiago de Campo Estela. A partir de 845, começaram a chegar os primeiros peregrinos e em pouco tempo o local não suportava mais o fluxo de fiéis, o que fez com que os restos mortais do apóstolo fossem transladados para Santiago de Compostela, onde posteriormente se construiria a Catedral da cidade.
Os milhares de devotos começaram a árdua jornada partindo de toda a Europa para ali, de forma que o caminho se tornou uma das mais importantes vias de peregrinação e de intercâmbio cultural do mundo. Teve importante papel de ser a artéria que voltava a unir os reinos católicos da Espanha ao resto da Europa, durante um período em que os mouros dominavam a maior parte da península ibérica. Monarcas estimularam a construção de igrejas, pontes e trilhas ao longo do percurso. Inúmeros
Albergue velho de Roncesvalles
Interessante clima medieval, mas faz um frio à noite... monastérios surgiram ao longo do caminho, oferecendo caridosamente comida, água e abrigo aos peregrinos.
De lá para cá, muita coisa mudou, mas o espírito de peregrinação permanece vivo. Motivados pelas mais diversas razões - esportivas, religiosas ou culturais - todos os anos são dezenas de milhares de peregrinos das mais diversas idades e origens percorrendo os diversos caminhos que levam a Santiago.
• Preparação
Dizem que cada um faz o seu Caminho. Um passo importante para começar a determinar o seu, é a escolha da rota a ser percorrida. Existem diversas opções que variam não só no percurso geográfico, mas também em duração e dificuldade. Há inúmeros livros e sites especializados que podem dar um belo auxílio em sua preparação, inclusive com informações sobre as diferentes rotas. Recomendamos aqui dois deles, que nos ajudaram bastante:
- O Eroski, uma rede de supermercados basca, que também oferece serviços de viagens, possui um espaço bem legal na internet dedicado ao caminho. Além de várias informações e dicas, ele disponibiliza um aplicativo gratuito para celular, que foi nosso verdadeiro guia ao longo do caminho. E não se preocupe,
Roncesvalles
O pueblo de 24 habitantes nos abençoa com a missa dos peregrinos em várias línguas (exceto português) não tem nada escrito em basco, está tudo em castelhano (
http://caminodesantiago.consumer.es/);
- A Associação de Confrades e Amigos do Caminho de Santiago de Compostela reúne diversas informações, além de organizar palestras, caminhadas preparatórias e fornecer a credencial do peregrino (
www.santiago.org.br );
A credencial do peregrino é necessária para que você possa se alojar nos albergues credenciados do caminho. Ao se hospedar em cada um deles, você ganha um carimbo que “comprova” sua passagem por ali. Só é permitido passar uma noite em cada albergue e, ao chegar a Santiago, o peregrino pode conquistar sua Compostelana se tiver uma credencial com ao menos os últimos 100kms da peregrinação carimbada (aliás, se pede dois carimbos por dia nesses últimos 100kms de percurso, o que se consegue em albergues, igrejas e até mesmo bares). A Compostelana é um “certificado” da peregrinação, escrito em latim, e que supostamente te “perdoa” de todos os pecados cometidos na vida até ali (um pequeno incentivo criado pela Igreja para compensar as dificuldades da peregrinação em outros tempos). Nós levamos a credencial do peregrino do Brasil, mas é possível compra-la em boa parte dos albergues ou igrejas do
Pé na estrada
O sol vem nos saudar nos primeiros quilômetros do caminho percurso.
Ao começar a buscar informações, você verá que os guias e sites mensuram um tempo de duração (em dias) para cada rota. Ele normalmente se baseia em uma média considerando os mais diversos tipos de pessoas que realizam o trajeto. Os pernoites são sugeridos em geral a cada 20 a 30km e consideram, além da quilometragem e dificuldade do trajeto do dia, a infraestrutura da cidade (ou micro pueblo) que vai recebe-lo. De acordo com suas condições físicas é possível fazer outro planejamento de percursos mais longo ou mais curto, mas vale se permitir alguma flexibilidade para mudar os planos durante a caminhada.
E por falar em condições físicas, é importante tentar se preparar para o caminho. Embora não seja nada extremamente “hardcore”, é um percurso muito longo e exige bastante do corpo. E lembre-se, o peso da sua mochila também é parte muito importante de um caminho mais ou menos penoso - considere isso inclusive durante sua preparação física.
Por fim, fique atento à época do ano em que fará a travessia, afinal, você estará todo o tempo ao ar livre (passando frio ou calor) e apreciando paisagens que
A jornada se inicia
Quase lá: Pára um pouquinho... descansa um pouquinho..., 789 quilometros. mudam muito conforme as estações. Além disso, durante o inverno alguns albergues não estão abertos.
• A NOSSA Preparação
Nossa escolha foi pelo caminho mais clássico, o Francês. São quase 800 quilômetros que unem Roncesvalles, praticamente na fronteira entre França e Espanha, até Santiago de Compostela. Ele atravessa os bosques de Navarra, os vinhedos da Rioja, os infindáveis campos de cereais de Castilla y León e os verdes morros da Galicia. O plano era realizar o caminho em 31 dias, cumprindo todo o percurso a pé. Nosso guia foi o aplicativo para celular do Eroski e a proposta era seguir praticamente à risca o planejamento de pernoites indicados no programa.
A época do ano escolhida foi a primavera que, além de ser uma das épocas com temperaturas menos duras, tem uma quantidade aceitável de peregrinos (dizem que no verão a quantidade de pessoas aumenta bastante) e contempla o peregrino com belíssimas paisagens floridas ao longo de todo o percurso.
Apesar de não ser exatamente o planejamento original, no final das contas acabamos não conseguindo dedicar muito tempo a uma preparação física adequada. Por outro lado,
Navarra verde
Árvores frondosas e bosques verdinhos compõem o cenário no início da jornada. fizemos mochilas bem compactas, considerando apenas o essencial. Incluindo a roupa do corpo, levamos: duas calças (daquelas que viram bermudas), três camisetas dry fit (duas de mangas curtas e uma longa), um fleence, uma jaqueta a prova d’água, três pares de meias finas, três pares de meias grossas (usamos as finas por baixo das grossas para evitar bolhas) e três roupas de baixo. Além das roupas, levamos uma toalha de alta absorção, um par de havaianas, um par de botas gore tex, um boné, um saco de dormir bem fininho (praticamente um lençol), óculos escuros, a credencial do peregrino, nossos documentos, dinheiro (até tínhamos travel cards, mas não costumam ser aceitos no caminho), medicação básica (atenção aos esparadrapos e anti-inflamatórios), squeeze (ou camel bag), protetor solar, desodorante, shampoo, sabonete, condicionador, pente, escova e pasta de dente e cortador de unhas, tapa olhos e tapa ouvidos. Isso tudo nos deixou com mochilas em torno de 4,5kg cada um. No caso das meninas, controlem-se: um hidratante corporal cheirosinho e um batom é mais que o suficiente para o kit-beleza. Acreditem, cada grama extra faz toda a diferença depois de 30km.
• A chegada a Roncesvalles
Pegamos um
Primeiro dia
Mochila completa nas costas e cajado recém achado: pronto para partir! ônibus de San Sebastián a Pamplona, para dali pegar outro ônibus que nos deixaria em Roncesvalles, ponto de início de nossa peregrinação. Como Pamplona já faz parte do percurso do caminho de Santiago (voltaríamos à cidade dali a dois dias de caminhada), arriscamos tentar passar a noite no albergue municipal da cidade para economizar alguns trocados e já ir entrando no clima da peregrinação. Com a credencial nas mãos, nossa estratégia funcionou e aproveitamos o dia para conhecer a cidade (falaremos sobre a cidade em um post posterior ao caminho).
O albergue de Pamplona nos deixou boas impressões, muito limpo, novo e organizado. As pessoas ficam alojadas em beliches, por ordem de chegada, cada qual com uma luz de leitura, uma tomada e espaço para deixar as botas e mochilas. A cozinha é bem equipada e arrumada. O ponto de atenção fica para o banheiro, que, embora limpo e todo separado com cabines, é misto. Tivemos uma boa noite de sono, ou quase isso devido a “primeira grande sinfonia de roncos, puns e apneias ” dos nossos mais de 130 companheiros de quarto. Mas a imagem que mais nos preocupou foi a de uma peregrina menos preparada que, com
A credencial
Nosso passaporte de peregrinos com os primeiros carimbos. apenas dois ou três dias de caminhada mal conseguia subir uma escada sem , digamos, acentuadas expressões de dor a cada degrau vencido.
No dia seguinte estávamos em um ônibus contornando as montanhas dos Pirineus rumo a Roncesvalles, um pueblo medieval Basco de 24 habitantes, famoso por ser onde a retaguarda de Carlos Magno foi derrotada no século VIII, e que só sobrevive em função do caminho de Santiago. Sob a névoa local, fomos abençoados na missa do peregrino e nos encaminhamos para dormir no antigo hospital de peregrinos, ou albergue velho, já que o novo estava lotado. Dizem que o albergue novo é todo moderno e equipado, aclimatado e cheio de caprichos, mas podemos garantir que se sua noite for no mesmo albergue que o nosso, você terá grandes chances de estrear todas as suas roupas (ao mesmo tempo, umas sobre as outras), porque é frio.
Dia 24 de maio, 6 horas da manhã: as luzes do albergue se acendem ao som de leve e agradável música clássica. Sim, é hora de começar. Troca de roupa, lava o rosto, arruma a mochila e amarra as botas. Nada mais para esperar. Nos despedimos de Roncesvalles que timidamente se
Albergue Roncesvalles
Antigo hospital de peregrinos. esconde atrás da pálida neblina e adentramos um bosque que pouco a pouco começa a permitir a passagem dos primeiros raios de luz. A jornada se inicia.
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Lucas Figueiredo
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Belo texto!
Felipe e Favricia, Aguardando novos posts! Muito bacana as dicas e a pequena aula de história! boa jornada para vocês! Abs Lucas