Advertisement
Published: April 27th 2011
Edit Blog Post
Mar de vinícolas
Região de Saint-Emilion Qual a primeira imagem que vem à sua cabeça ao ver a palavra ‘Bordeaux’?
a) Vinhos
b) A cor bordeaux
c) A cidade francesa
Se você é como a maioria das pessoas, respondeu a letra
a) (a menos, é claro, que você seja um leitor assíduo desse blog!). Nada de surpreendente, já que a fama da cidade se deve de fato à imensa região viticultora que a cerca, conhecida como o
“vignoble du Bordelais”. Antes de sua renovação urbanística, Bordeaux costumava servir apenas como cidade-dormitório para os turistas que vinham para passar o dia visitando as renomadas vinícolas. Quando eu avisava que iria estudar em Bordeaux, as reações não eram diferentes. Nada de Garonne, de Quinconces ou de Miroir d’Eau, apenas
“hummm, vai para a terra dos vinhos!”, “ah, que bom, aproveite os vinhos por mim!”, “vai fazer a festa, lá o que não faltam são vinhos baratos no mercado!”... o detalhe que ninguém sabia é que eu mal conhecia e/ou gostava de vinhos, e só costumava beber como quentão, no inverno (ahhh), ou como caipira, nas festas (ahhhh)! O bom e velho galão Sinuelo de 5L, alegria dos estudantes!
Diante desse histórico, não deve causar estranheza eu dizer
que passei 2 meses na terra do vinho, e não tinha evoluído muito. Obviamente já tinha provado alguns e estava menos arredio aos sabores, mas continuava um leigo. Imaginem no mercado, diante de prateleiras e mais prateleiras de garrafas - escolher era uma verdadeira arte, que levava em conta o preço (obviamente, afinal sou estudante), a simpatia com o rótulo e o nome do château, e uma dose de aleatoriedade. Apesar das tentativas, as dúvidas persistiam: “Por que nos vinhos de Bordeaux eles não indicam a uva (como nos argentinos)?”; “O querem dizer essas coisas do rótulo?”; entre tantas outras.
Embora não faltasse vontade de aprender e nem oportunidades (passeios diários para as vinícolas, Châteaux de portas abertas, Maison du Vin no centro, sessões do Clube de Enologia da escola, para citar algumas), faltava priorizar. Aquele empurrãozinho... Até que meus pais me deram a notícia:
“Compramos um passeio para o domingo, vamos conhecer uma vinícola em St.-Emilion!” Nada como pais presentes na educação de seus filhos!
O passeio: Saint-Emilion, vin et cité
O passeio, proposto pelo Office de Tourisme, se chama “
Saint-Emilion, vin et cité” e dura uma tarde. O programa incluía a visita a um Château Grand
Cru da Apelação Saint-Emilion (hein?!) e uma visita breve à cidade, com destaque para o tour na igreja e nas catacumbas subterrâneas (cool!).
O grupo era bem diversificado, em termos de faixa etária e também de nacionalidades, e logo ao entrarmos no ônibus recebemos uma pasta contendo um mapa do
vignoble du Bordelais (oba, mapa!), um guia com roteiros turísticos nas diversas áreas viticultoras da Gironde, e ainda um livreto imponente chamado “Iniciações” (‘Initiations’), que explica desde a geografia favorável da região até sugestões de harmonizações dos vinhos com refeições. Nosso guia era bem simpático e falava um inglês bom até (mas com aquele inconfundível sotaque francês), e já desde o começo pôs-se a nos explicar a organização do vignoble e umas outras noções básicas.
Para situar, o
“vignoble du Bordelais” é uma zona viticultura francesa que corresponde às áreas produtoras de vinho do departamento da Gironde, o que totaliza 117500 hectares. A produção é variada, mas predominam os vinhos tintos, que representam cerca de 80%! (MISSING)Trata-se do 3º departamento viticultor francês em termos de produção global, mas o primeiro se considerarmos em termos de volume de AOC, ou seja, Apelação de Origem Controlada (
Appellation d’Origine Controlée).
Explicando brevemente, AOC são princípios definidos para garantir um padrão de qualidade característico a uma dada zona geográfica. No caso, todo vinho produzido na Gironde pode, em princípio, ser rotulado como um ‘AOC Bordeaux’. A partir dessas diretrizes gerais, cada subregião pode incrementar os seus critérios de forma a aumentar os padrões e a buscar “uma maior identidade” para seus vinhos. Uma das mais famosas é justamente a apelação AOC Saint-Emilion, objeto da visita.
Nossa primeira parada foi a vinícola
Clos de la Madeleine, cuja produção média anual é de 8000 a 10000 garrafas. É uma bela propriedade, situada na encosta de uma colina, de onde vêem-se vinhedos extendendo-se até o horizonte – paisagem característica de Saint-Emilion. O roteiro previa passear por entre as uvas, mas como estava chovendo bastante seguimos direto para a cave, onde nos explicaram as características do château e o processo produtivo de seus vinhos.
A vinícola produz apenas vinhos tintos, seguindo os padrões da AOC Saint-Emilion, a partir de dois tipos de uva, essencialmente: Merlot e Cabernet Franc. Como vim a descobrir, uma característica marcante do vignoble bordelais é a complexidade dos seus vinhos, visto que o produto final é uma mistura de vinhos oriundos de
diversas variedades de uva. Para uma mesma safra, diferentes combinações geram resultados completamente diferentes, daí a importância do trabalho de um enólogo.
A visita foi bastante informativa, mas não vou entrar em mais detalhes para não me alongar. O final foi, obviamente, a tão esperada sala de degustação, onde pudemos provar um vinho ‘novo’, de 2007, e um mais envelhecido, de 1999 – desnecessário dizer que gostei mais do de 2007. Meus pais não perderam a oportunidade e compraram uma garrafa de um 2002 como lembrança.
De volta para o ônibus, ainda sob chuva, e seguimos para a cidade medieval de Saint-Emilion, considerada pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade. Ao chegarmos, a chuva havia dado uma trégua e o tempo dava sinais de melhoria... foi então que seguimos para a visita das catacumbas subterrâneas e da igreja enterrada na pedra! Maravilha!
A visita dos subterrâneos da cidade, que possui inúmeros quilômetros de galerias escavadas, tem de ser feita obrigatoriamente com um guia (o passeio pode ser contratado no
Office de Tourisme local) e é bastante interessante. O subsolo da região é calcário, e os túneis foram escavados para servir como pedreiras, visando atender às demandas crescentes de urbanização regional,
sobretudo de Bordeaux. A igreja enterrada estava sofrendo trabalhos de restauração, mas independente disso suas dimensões são impressionantes. Segundo nosso guia, ainda hoje há celebrações especiais que são lá realizadas.
Após a visita estava previsto um tempo para passear em Saint-Emilion, mas acabamos tendo nem 30 min e, como tínhamos que voltar para o ônibus (estacionado fora da cidade), não dava para inventar muito em relação ao percurso. Demos uma volta rápida e ficamos com aquele gosto de quero mais – no meu caso, já sabia que esse seria o passeio de algum futuro final de semana.
O passeio como um todo, apesar disso, foi bem proveitoso. Podia dizer, enfim, que havia finalmente feito minha introdução aos vinhos do Bordelais, e despertado minha curiosidade para o assunto. Que venham, então, as próximas lições!
Je crois que le bonheur nait aux hommes là où l'on trouve de bons vins.
Leonardo da Vinci
Advertisement
Tot: 0.301s; Tpl: 0.012s; cc: 17; qc: 130; dbt: 0.1906s; 1; m:domysql w:travelblog (10.17.0.13); sld: 1;
; mem: 1.5mb