Sarlat: um ensopado périgordin


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November 11th 2010
Published: October 23rd 2012
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Sarlat-la-CanédaSarlat-la-CanédaSarlat-la-Canéda

O 'badaud' - Place de la Liberté
Ingredientes:

- 500 g de pedras calcárias;

- 1 L de água do médio vale do rio Dordogne;

- Uma dúzia de séculos de história;

- Uma tigela de romanos e gauleses, bem misturados;

- Bispos e abades a gosto, para temperar.



Modo de preparo:

Em uma panela funda, adicione a água e as pedras e aguarde a fervura. Adicione, então, os romanos e gauleses, mexendo energicamente para propiciar boa mistura. Abaixe o fogo e acrescente os bispos e abades. Tape a panela e deixe cozinhar ao longo de séculos de história. Enquanto aguarda ficar pronto, relaxe e leia esse blog que, à exceção do título e dessa pequena introdução, não tem muito mais de gastronômico.


Sarlat: um ensopado périgordin



Brasileiros costumam desenvolver, com a escola, uma relação bastante curiosa com os dias de feriado. Afinal, o que importa, quase sempre, não é o motivo do dia especial, mas sim a sua posição na semana. Feriados que caem aos sábados e domingos são vistos como desperdiçados, e sequer mereceriam constar no calendário daquele ano; se caem as quartas são bons, uma pausa no meio da semana; na segunda e sexta são ótimos por garantir os ditos finais de semana de três dias – afinal, nada como ter duas sextas-feiras ou chegar na tarde de domingo sem aquela sensação modorrenta de estar prestes a voltar para a rotina. Mas nada se compara às terças e quintas-feiras, e a incrível alegria de “enforcar” um dia. Eu, como bom estudante brasileiro, tinha a regra do enforcamento como verdade universal.

Voltemos, então, ao intercâmbio. Descobrira que dia 11/11 é um importante feriado francês (dia do Armistício da 1ª Guerra Mundial, para os desavisados) e – alegria, alegria – naquele ano cairia bem numa quinta-feira! Feriadão, comemorei. O Daniel estava de férias em Bordeaux até o sábado, então com isso teríamos dois dias para uma pequena viagem. Mal fizéramos os planos – a ideia era conhecer a região da fronteira França/Espanha (Hendaye e San Sebastián) - levei um balde de água fria (e não falo aqui da chuva que caía sem trégua desde o começo do mês): descobri que não haveria enforcamento e, para melhorar, teria um compromisso importante do estágio na sexta-feira! Sem escapatórias, e sem viagem :

Em todo o caso, eu continuava tendo uma visita em casa, e nós
Fachadas da cidadeFachadas da cidadeFachadas da cidade

A la ville de Sarlat
continuávamos tendo um dia de feriado. Ao contrário do dia anterior (ver La Rochelle: um porto seguro em meio às tormentas), a previsão era de chuva para todos os lados. Sem ter para onde fugir, resolvemos, então, seguir com o plano original: ir para a fronteira franco-espanhola.

Daniel:

Bom, obviamente só porque falamos que íamos pra Espanha, não fomos. Acordamos às 6h30 da manhã (o Luis, claro; eu acordei 6h50) tendo ido dormir às 3h pra podermos pegar o trem de 08h25 para Hendaye. Tomamos o café, arrumamos tudo e saímos na hora certa pra chegar e ter tempo de comprar o ticket e pegar o trem. Só faltou um detalhe: era feriado nacional na França. Resultado: o tramway passaria só em 18 minutos, suficiente para não chegarmos a tempo… Andamos 2 estações de tram pra frente para ir ao ponto de ônibus mais próximo, só para chegar lá e ver os ônibus saindo… Próximo ônibus em 20 minutos… Chegamos na estação algo próximo de 08h33 e o trem, claro, já tinha saído, na hora.

Luis:

Nessa hora foi preciso acionar o nosso grande plano B: como já havíamos saído cedo de casa e estávamos ali na gare, para algum lugar nós iríamos. Analisamos as próximas partidas e, um pouco mais tarde, lá estávamos nós num trem rumo à Sarlat.


« Sarlat-la-Canéda, la capitale du Périgord noir et du foie gras ! On tombe immédiatement sous le charme de cette cité médiévale. Les hautes maisons fleuries, les petites ruelles, la pierre omniprésente forment un décor historique de qualité. »



Sarlat (ou Sarlat-la-Canéda), apesar de ter uma população inferior a dez mil habitantes, é uma das principais cidades do departamento da Dordogne, capital da região conhecida como ‘Périgord Noir’ (o Périgord Negro). Seu grande atrativo é o seu centro histórico, que com suas ruelas sinuosas e arquitetura preservada parece ter parado no tempo com o final da Idade Média – e não por acaso é frequentemente empregado como cenário para ‘filmes de época’, como por exemplo “Os Miseráveis” e “Joana D’Arc”).

A viagem de trem é longa, pela distância (são 170 km a partir de Bordeaux), e dura cerca de 2h30 a 3h. Naquele dia, como não parava de chover, isso não era problema, pois ao menos assim nós ‘passeávamos’ a seco. Além do mais, na medida em que o trem avançava pelo Dordogne, a paisagem ficava mais interessante, com colinas
Chegada à SarlatChegada à SarlatChegada à Sarlat

Cidade-fantasma?
que viravam morros (“morrinhos”, como diz o Daniel – também, não dá para querer comparar com os Alpes de Nice) e iam pouco a pouco delimitando o vale do rio. Após Bergerac, a ferrovia segue quase paralela ao curso do rio, permitindo vislumbrar entre bosques e pastagens inúmeros châteaux e cidadelas que se fundiam harmoniosamente com o entorno. Apesar disso, o sono da noite mal dormida e o balanço do trem eram irresistíveis, então a paisagem era interrompida aqui e ali por umas longas cochiladas. Foi assim, sem perceber o tempo passar, que chegamos à Sarlat.

A primeira vista, parecia uma cidade fantasma: não havia ninguém na plataforma, os guichês e lojas da estação estavam fechados, e os poucos passageiros que ali desembarcaram conosco logo desapareceram. Por sorte havia uma prateleira com panfletos turísticos, onde conseguimos um mapa da cidade e uma sugestão de roteiro pelo centro, para observar os pontos mais importantes.

A estação de trem fica na encosta de um morro, a pouco mais de 1 km do centro. Antes do passeio, no entanto, a prioridade era comer, mas quanto mais avançávamos mais aumentava nossa impressão de cidade-fantasma: as ruas vazias, o comércio fechado. Chovia, e nós ali famintos... Ok, era feriado, e estamos falando do interior da França. Mas logo descobrimos que havia um motivo maior: estávamos em pleno Festival de Cinema Histórico de Sarlat. Pela fila às portas do cinema, a cidade toda devia estar ali!

Daniel:

A cidade em si é a principal da região, mas é bem pequena. Ela tem uma área em volta, que não olhamos. Fomos direto para o meio, ou o que eles chamam de "centro medieval". De fato, o centro é medieval. As ruas são todas curtinhas, com exceção da rua principal que corta a cidade, em que consegue passar 1 carro e tem 2 calçadas… o resto é tudo menor. Como toda boa cidade com legados medievais, possui sua catedral no meio, o hôtel de ville logo do lado e mais alguns prédios religiosos (outra igreja, cemitério...).

Como chegamos por volta das 14 horas e tínhamos tomado café às 7h, estávamos morrendo de fome. Mas aí que está o truque: os restaurantes param de servir 14h. E a saga pra encontrar um salvador que servisse comida por menos de 30€ a essa hora?? Fast-food não preciso nem dizer que não tinha né? Nem o
Rillettes d'oieRillettes d'oieRillettes d'oie

Entrada do menu do Daniel
Kebab pé sujo (que, aliás, já dominou a França faz tempo). Por fim, encontramos um restaurante que tinha um menu por 11.90€ (no meu caso) e 14.90€ (no caso do Luis). A diferença vocês vão saber em breve.

Menu aqui na França significa Entrada + Prato Principal + Sobremesa. No caso do meu, baratinho, a entrada foi Rillettes d'Oie (oie é ganso, rillettes faço nem ideia) com pepino em conserva e saladinha de alface com tomate. A entrada do Luis tinha foie gras, uma geleia que não descobrimos o que era e pão. Aliás, antes que eu me esqueça, foie gras está para a região de Sarlat como vinho está para Bordeaux. Eles vivem disso. O meu prato principal foi Faux Filet (melhor tradução que eu consigo pensar é contrafilé, mas estava bem macio) com fritas e outra saladinha, dessa vez com uma planta diferente e horrível. O prato principal do Luis foi um pato com sei lá o que tinha naquela gororoba. Segundo ele estava bom, e eu vou ter que acreditar. Como sobremesa, eu comi sorvete de baunilha e café e o Luis comeu torta alemã. Para acompanhar tudo isso, a velha carafe d'eau (água da bica, de graça, claro).

Saindo do restaurante (entupidos, diga-se de passagem), seguimos o tour do Office de Tourisme pra conhecer a cidade toda (que, pra falar a verdade, não demora muito mais de 2 horas). O interessante de Sarlat é que ela é uma mistureba de estilos arquitetônicos. Algumas coisas foram construídas no século IX, depois destruídas e revitalizadas no século XIV, aí destruídas de novo e reconstruídas no século XVIII. A catedral mesmo possuía uma base românica, o meio neoclássico e o topo gótico. As pinturas dentro dela? Barrocas.

Luis:

Rodamos pela cidade até anoitecer (o que acontece por volta das 17h30, a essa altura do ano – saudades do horário de verão!), buscando apreciar cada detalhe do que o panfleto nos propunha, antes que ele se decompusesse em nossas mãos devido à chuva insistente. No geral, não dá para se dizer que Sarlat possua algum grande monumento imperdível – caso de uma Torre Eiffel de Paris – mas o conjunto da obra é o que faz a visita valer a pena: as ruelas emaranhadas, as passagens, as fontes e praças, os telhados em pedra, enfim, a sensação de se passear em um museu a céu aberto.

Ensopados, mas satisfeitos, era hora de pensarmos no retorno. Descobrimos um mercadinho aberto, e compramos provisões para o nosso lanche/janta no trem. Por falar em refeições e ensopados, podemos voltar à receita que iniciou esse blog e que, a essa altura, já deve estar no ponto. Não sei quanto a vocês, mas toda essa história me abriu o apetite. Bon appétit e até a próxima! 😊




Obs: aos que tiverem interesse em conhecer um pouco mais da região de Sarlat e arredores, recomendo uma olhada nos seguintes sites:

- Office de Tourisme de Sarlat (FR/EN/ES): http://www.sarlat-tourisme.com/

- Site com informações da cidade e arredores (EN): http://www.northofthedordogne.com/sarlat.php

- Informações turísticas da Dordogne (FR/EN/ES): http://www.dordogne-perigord-tourisme.fr/

- Sugestão de roteiro no vale do Dordogne próximo a Sarlat (FR): http://www.linternaute.com/voyage/france/aquitaine/vallee-de-la-dordogne/circuit-vallee-de-la-dordogne/


Additional photos below
Photos: 24, Displayed: 24


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Para situarPara situar
Para situar

Sarlat, arredores e o caminho pelo vale até Bordeaux
O coração de SarlatO coração de Sarlat
O coração de Sarlat

A prefeitura à esquerda e a catedral ao fundo
Cine RexCine Rex
Cine Rex

Onde estava ocorrendo o festival de cinema
Torre da CatedralTorre da Catedral
Torre da Catedral

Cathédrale Saint-Sacerdos
TumbasTumbas
Tumbas

Cemitério atrás da Catedral
Ruas do centroRuas do centro
Ruas do centro

Rue Montaigne
Uma das construções memoráveisUma das construções memoráveis
Uma das construções memoráveis

Não lembro mais o nome, mas era uma miscelânea arquitetônica
LoconaLocona
Locona

Achei a cara da manequim bem condizente com o nome da loja!
Me voilà!Me voilà!
Me voilà!

A Brasserie ao fundo foi onde almoçamos
Antiga Igreja de Santa MariaAntiga Igreja de Santa Maria
Antiga Igreja de Santa Maria

Após muitas demolições e mudanças, abriga atualmente o "Marché Couvert" (mas estava fechada em função do feriado)
Viaduto ferroviárioViaduto ferroviário
Viaduto ferroviário

Caminho de chegada do trem à cidade
Sarlat by nightSarlat by night
Sarlat by night

Place de la Liberté


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