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Published: January 15th 2006
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Optei por saltar alguns meses de viagem e pôr online a última aventura boliviana. A parte fotográfica foi bastante condicinada pelo frio porque a máquina não funcionou na perfeição, descarregando as baterias muito mais rápidamente do que eu estava à espera e outras vezes nem ligava. Mas não importa, porque eu vou-me lembrar para sempre destes dias.
Cordilheira Real
A Cordilheira Real faz juz ao nome. Imponente parte dos Andes, tem mais de 600 picos acima dos 5.000 mt. uma grande parte visível de La Paz, diria mesmo, visíveis de onde quer que estejamos. Basta olhar para lá.
Não só pra lá olhei como pra lá fui.
Várias agências em La Paz "oferecem" trecking, escalada, e outras actividades na cordilheira.
As opções são mais que muitas, variam na duração, localização e actividade em questão. Com falta de tempo, optei pela fotogénica "Vuelta de las Lagunas" e subida ao Huyana Potosí. Um dos picos desta cordilheira, com 6.088 mt. e de "fácil" acesso, depois de meio dia de prática de escalada no gelo.... e mais qualquer coisa!
Condoriri Track
O casal Suiço com quem estava planeado ir não apareceu, por razões que me são alheias e sem qualquer
Laguna Tuni
A cerca de 4.200 mt.
At about 4.200 mt. interesse para vós e acabei por ir sozinho com Isaac, o guia.
A "Vuelta de las Lagunas" percorre o maciço Condoriri e começa pela Laguna de Tuni, a 2 horas de La Paz.
Lá seguimos de carro até sermos "largados" a meia hora de caminho da Laguna Tuni.
Carregados com tenda, comidas, "camping gaz", roupas quentes e mais uma série de parafernália para 5 dias de passeio.
Sempre acima dos 4.000 mt., o frio e a falta de O2 são a realidade que temos de enfrentar e que facilmente nos podem mandar para casa.
Caminhar devagar é essencial para manter afastado qualquer síndrome relacionado com altitude. Obviamente tudo demora mais tempo.
A passo e passo e carregados como burros lá seguimos caminho.
Laguna Tuni: Bonita
Represa Tuni: Bonita
Montes e Vales: Bonitos
etc, etc. enfim, idílico, como se pode ver nas fotografias. Obviamente que me é muito dificil transmitir o que é estar lá. Mas acreditem que o cenário é simultâneamente dramático e relaxante.
A primeira parte do percurso é "verde claro e a céu aberto" a vista chega até ao horizonte. À medida que se avança, o verde claro escurece, acastanha-se em certos casos e o horizonte esconde-se por
Trecking
A caminho da Laguna Chiarkhota.
On the way to Laguna Chiarckota detrás das montanhas. Entra-se num vale majestoso, rodeado de picos gelados que derretem para várias lagoas, umas com nome outras sem.
Laguna Chiarckota
Bla bla bla e chegamos à Laguna Chiarckota, onde planeáva acampar. Azul espelhado da água, verde da relva à volta da lagoa, o branco dos glaciares, castanho seco das montanhas, que estranha sensação de beleza, beleza tão própria, e ao mesmo tempo a dimensão de tudo não parecia real. Tudo parecia grande demais para caber ali.
A primeira sensação que tive ao chegar aquele lugar, mágico, levou-me a decidir lá passar duas noites em vez de uma. Tenda montada, cozinha a postos, combinei com o guia encontrá-lo daí a dois dias a 4 horas dalí. Com um mapa da cordilheira, explicou-me por onde deveria ir para nos encontrarmos e seguir com "La Vuelta".
Duas noites e um dia inteiro ali passei, ali, onde nada me fez falta, onde literamente tremi com uma ensurdecedora noite de trovoada, onde cozinhei num dos mais arcáicos sistemas de gaz que vi, onde tentei (sem sucesso) subir aos glaciares, e onde ainda pensei (por muito pouco tempo) nadar.
Dois dias depois de ali chegar, levantei acampamento e carreguei um peso
Isolado
Isolated estúpido montanhas acima e abaixo, seguindo as indicações do mapa, apesar da orientação, com a ajuda dos picos nevados que eu já conhecia (de nome) ser bastante fácil. Sem caminhos evidentes, é só pisar o chão e andar pra frente, devagarinho claro.
4 horas depois e no lugar combinado lá estava Isaac, a muleira, a irmã e a mula que iria carregar, a partir dalí, tudo que era peso.
O terceiro dia foi uma estafadeira. Depois das primeiras 4 horas, seguiam-se outras 6 até à próxima zona de acampamento, mesmo com uma subida ao pico mirador, a 5.200 mt, conseguimos caminhar mais depressa do que esperávamos e chegámos 2 horas antes. A decisão de seguirmos por mais 4 horas para outro lugar, ainda mais bonito segundo o guia, foi unânime. Somadas as horas: dá 12.
E realmente o lugar justificou a tirada. Acampámos junto a um rio rodeados de Lamas no meio de outro vale de filme. Com pena, este foi um dos lugares em que a máquina fotográfica optou por não responder.
De manhã bem cedo, seguimos para mais um dia de regalo. Lagoas e vales, cores e cheiros, preencheram o dia até chegarmos ao fim do percurso de
trecking. Uma emoção foi a primeira vista da Laguna Lividiñosa, do alto, encalhada entre duas montanhas, envolta em nuvens e assente num degrau verde.
Outro nota de referir foram as cores que ficam depois dos deslizamentos de terra, ou melhor, de pedras atraíu, e de que forma, a objectiva da minha já cooperante máquina fotográfica.
A meio da tarde, chegámos ao ponto de encontro, onde alguém da agência me deveria apanhar e levar para o acampamento base do Huayna Potosí, a 1 hora de carro.
A muleira, a irmã e a mula voltaram para casa e eu e o guia seguimos então para o acampamento.
Huayna Potosí
Quando chegámos ao acampamento fiquei imediatamente atordoado com a majestosidade da montanha, mais um cenário de cortar a respiração, e engraçado que não me canso destes momentos tão intensos.
Primeiro a rotina, montar a tenda, preparar o lanche, mate de coca e pão com manteiga e em seguida sentar-me a olhar para a montanha a imaginar o que é que por lá se está a passar, naquele branco que quase nos cega.
A meio da tarde chegam do campo de treino, visivelmente exaustos, dois americanos e um guia. Estavam a
No name lagoon
Laguna sin nombre.
preparar-se para subir ao cume no dia seguinte. Como estamos fora de época poucos são os que aparecem. As condições da neve e a imprevisibilidade do tempo na montanha condicionam a decisão de muitos em subir.
Mais uma noite bem passada dentro de um saco de cama para temperaturas negativas e de manhã a troca de guias. Entra Paulino sái Isaac. Paulino é Aymara, tal como Isaac, uma das raças originárias da Bolivia e que é maioria no país. Curiosamente, o recém eleito presidente Evo Morales, é Ayamara e o primeiro da raça a chegar à presidência da Bolivia.
O Paulino é que não parece lá muito bem disposto. Acaba de descer da montanha, onde o cliente que levou desistiu a meio, aliás, dos 3 grupos que subiram nessa noite, só um chegou ao cume, 2 pessoas num total de 5.
Os desabafos dos vencidos deixam antever uma certa frustração e enormes dificuldades na subida.
Enquanto os americanos disparam montanha acima para o acampamento base, Rock Camp, eu sigo com Paulino para a zona de glaciares onde se aprende escalar peredes de gelo com grampos nas botas e machados (ou pequenas picaretas) na mão. A sensação é engraçada, mas é
No name lagoon
The same "sin nombre laguna". Different perspective.
Outra prespectiva da mesma Laguna sem nome. cansativoooooooo...
Lá me equipei e começei por uma subida menos inclinada para terminar com uma "exibição" assustadora numa parede de 20 metros. O objectivo era só subir até metade, mas o guia trepou por ali acima como se fosse quase a descer e ainda me disse: "Se tu quieres ir hasta la cumbre, vai!"
A subida agora era feita com uma corda de segurança presa a um arnés. 20 e tal metros que levaram 5 minutos a subir e quase, quase no topo partiu-se o grampo da minha bota direita, estoirado pedi ao guia que me baixasse. Ele bem tentou, mas como era o meu dia de sorte, o cabo estava preso no gelo e nem pra cima nem pra baixo. Eu só o ouvia gritar para que continuasse a subida, não podia ficar ali, já nem sabia que pensar, sem um grampo, é, pelo menos para mim, bem complicado. Se bem que as "pequenas picaretas" agarram-se ao gelo como cola, perfurando-o, mas é preciso alguma força para subir e martelar mais acima..... e se é!!
Ele tanto gritou e eu tanto me esforçei que lá cheguei ao cume. Disse tanto palavrão, mas tanto.... senti-me muito, mas muito aliviado. Pensei
Laguna Chiarkhota
4.700 mt de altitude. Na base da Cabeza del Condor. Rodeada de glaciares.
Surrounded by a glaciar, at 4.700 mt, at the base of Cabeza del Condor. no pior quando estava pendurado. O Paulino visivelmente aliviado lá subiu para, artesanalmente, me arranjar o grampo.
Bom, este teste passei, até foi bom o susto, dizia Paulino, amanhã a montanha "vai ser canja".
Da zona de treino enfrentamos uma subida que não desejo a ninguém, carregado de equipamento seguimos para o Rock Camp, a 5.130 mt. E que desespero de subida, literalmente sobre pedregulhos grandes e bicudos, impossível manter um ritmo durante 3 horas, lá passei a segunda prova de dificuldade. No acampamento os americanos e o guia preparavam-se para dormir. Eu não estava a gostar muito da ideia de dormir às 15h para acordar às 23h30 e começar a subida às 24h. Mas por razões de segurança é assim. Como no percurso à duas subidas técnicas, duas paredes de gelo, uma de 40 metros e outra de 250 é necessário chegar a esses lugares antes do nascer do sol para que não estejam a derreter, para além de tornar a subida bem mais difícil, o risco de avalanche é muito maior. O objectivo é chegar ao cume às 6 da manhã, ficar 20 minutos e iniciar a descida.
Rock Camp está rodeado por abismos de 400 mt. e
é literalmente um monte de pedras sem qualquer disposição com sentido. Caminha-se, escala-se e trepa-se para andar de um lado para o outro. Portanto é melhor nem andar muito às voltas.
3 sopas e antes das 4 da tarde enfiei-me no saco de cama e esperei pelo sono. Até nem foi difícil. O que não foi nada fácil foi acordar às 23h para o "pequeno-almoço". Nevava como nunca vi, um frio de rachar e tudo escuro, escuro à nossa volta. Os guias acreditaram que mais acima o tempo poderia mudar, já que naquelas condições, até ao topo, seria extremamente difícil ou mesmo impossível por causa da neve.
Comidos e equipados lá seguimos para a base, onde começa a caminhada. Os dois americanos e o guia partem, e 10 minutos depois, de lanternas na cabeça e ligados por uma corda, Paulino e eu começamos a subida, devagar muito devarinho, vou seguindo as pegadas que (mal) consigo ver. A corda que nos liga tem cerca de 8 mt. e por vezes, com a neblina, não consigo sequer ver o Paulino. Neblina e neve, que combinação chata quando se quer subir uma montanha.
Outro dos problemas relacinados com a neve é a dificuldade
Cenário Dramático. Neves eternas.
Dramatic scenery. Eternal snows. Chiarkhota's sight. em encontrar o caminho certo. E acredite-se que se não seguirmos no caminho não só nos vamos afundando constantemente neve como corremos riscos de cair numa das imensas e bem profundas gargantas que por ali abundam. Regra essencial, seguir as pegadas ninguém anda lado a lado.
E a neve, tal como não deveria ser, lá escondeu o dito caminho, mas o tanto Paulino, como o guia que seguia na frente conhecem a subida como a palma das mãos. Mesmo de noite.
Fiquei impressionado com a orientação. Não só era de noite, como tudo é igual, branco branco branco e sempre a subir. Só de manhã, quando descemos, é que eu percebi o brilhante sentido de orientação e o quão perto nos aproximámos de tantas gargantas.
Subi, afundei-me na neve, subi, parei para descansar, subi, subi, arrependi-me de estar ali, subi, gelei, congelei, subi, ... sinceramente, passou-me a vida toda pela frente, 3 horas depois eu já não conseguia pensar em nada, nada de nada me vinha à cabeça. Não parava de nevar, a neblina não passava e a ideia dos guias de que mais acima o tempo deveria abrir não se confirmava de forma nenhuma. Chegados à primeira parede de
Laguna Chiarkhota
Azulado.
Blueish. gêlo, lá estava o outro grupo que se preparava para subir. O guia trepa primeiro por ali acima, desaparecendo imediatamente na escuridão, eu só o ouvi dizer para não andarmos por ali porque mesmo ao nosso lado havia um abismo de 380 metros. A pique. Eu já nem sabia o que estava ali a fazer. Que disparate pensava eu, tenho idade pra ter juízo!
Mas bom, já que aqui estou....
Lá treparam os "gringos", o meu guia seguiu, e eu por último. Um pouco assustador o ínicio da subida, mas rápidamente lhe tomei o gosto e trepei por ali acima.
Mas esta subida era só um dos desafios. E venha de lá, novamente, mais subida, mais neve, mais palavrões e mais mau tempo. Para além das minhas mãos terem começado a congelar, tinha as luvas molhadas. Mais uma hora e meia de subida e cruzamo-nos com os americanos que já desciam. Um deles desmaiou e o outro começou a ter problemas de altitude. Ai pensei se seria seguro continuar a subida, afinal estava mais ou menos a 2 hr. do topo, apesar de ainda faltar uma parede de gelo de 250 mt., não totalmente vertical mas sem dúvida cansativa, e
o tempo não queria mudar por nada. Decidimos seguir até, pelo menos, à parede, para ver em que condições se poderia fazer a subida.
Admito que a partir dali já não me sentia tão à vontade. O facto de saber que havia um grupo à nossa frente, aliviava-me de certa forma, e ajudava-me na subida. Agora sem eles, saber que o Paulino e eu éramos as duas únicas pessoas por ali, já não era nada que eu gostasse de pensar, no entanto tentei evitar essa lembrança.
Mais uma hora de subida e a neve então começou a cair de tal forma que o Paulino decidiu não subir mais, a partir dali já não era seguro. Estávamos a 5.900 mt., a 1 hora do cume, fiquei aliviado mas muito frustrado por não ter conseguido o objectivo, mas nesse dia a montanha não queria visitas.
E realmente quando chegámos ao acampamento, 3 horas depois, a tempestade no cume era visível. A neve não parou toda a noite lá em baixo também.
Foram sem dúvida 5 dias de experiências intensas, vistas boas e muito exercício.
Agora estou de volta a La Paz a preparar a ida para o Chile. Mais 2 ou 3
dias e atravesso a fronteira.
Quem estiver indeciso entre ir de férias a Paris, Fortaleza ou Ibiza, venha à Bolivia. Faz bem.
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Matilde k
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fascinante!
bem... e so aventura!! Ganda loucura, n duvido q tenhas pensado na tua vida durante esse "passeio",subida e descida..neve e neblina, picos de adrenalina à mistura!! Brutal...deve ser arrepiante!! É bom ires mostrando as pic's...p ter uma ideia do q issso é, mas imagino q ao vivo e a cores seja bem melhor! Por ca, continuamos a ler o blog... beijinhux matilde