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Published: April 9th 2010
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Depois de encarar algumas das mega-cidades asiáticas e comprovar
in loco a definição do caótico, eis que aparece Phnom Penh. A capital do Camboja, de nome impronunciável (tente Nôm Pên) reúne tudo o há de pior no continente: "prédios" feios, ruas lotadas, trânsito insano, vendedores de ruas, mendigos, crianças órfãs vendendo de tudo, algumas com o saquinho de cola à mão, aleijados de todos os tipos. Exceção à regra são alguns templos budistas e o palácio real. O Camboja ainda recolhe os cacos de uma guerra civil terminada há menos de dez anos.
O país, literalmente, foi ao inferno e voltou. De 1969 a 1975 sofreu intensos bombardeios dos EUA na tentativa de dizimar os guerrilheiros do Vietcong infiltrados na região da fronteira. O cenário serviu para o fortalecimento do movimento revolucionário comunista Khmer Vermelho, que em 1975 derrubou o governo, evacuou as cidades e criou uma economia agrária baseada na coletivização da produção. Na prática, tratou-se de uma das maiores carnificinas já vistas. Mais de três milhões de pessoas deixaram Phnom Penh em direção aos campos, em um dos maiores casos de êxodo urbano da história contemporânea.
Era o início do Ano Zero no novo país que, teoricamente,
nascia, o Kampuchea. Liderados por Pol Pot, os guerrilheiros Khmer matavam as pessoas pelo simples fato de elas usarem óculos ou falarem uma língua estrangeira. Eram considerados impuros ou influenciados pelo estrangeiro, algo não admitido no novo sistema. Profissionais, estudantes, professores e funcionários públicos eram torturados e executados, enquanto milhares morriam de exaustão pelas longas jornadas de trabalho escravo no campo, desnutrição, tortura ou execução. Bebês eram esmagados contra troncos de árvores. Pessoas eram mortas a machado, faca ou enterradas vivas na tentativa do movimento de preservar balas (obtidas pela troca de arroz com a China).
As estimativas são de que mais de dois milhões de pessoas (um quarto do país) morreram nas mãos do regime em quatro anos de guerra civil. Em 1979, cerca de 70% da população era formada por mulheres, e hoje em dia, para se ter uma idéia do tamanho do estrago, mais de 60% têm menos de 15 anos. E apesar dos 35 anos de distância que separam o Khmer Vermelho e o Camboja de hoje, não foram poucas as pessoas que cruzamos que não tinham ao menos alguma história de envolvimento na guerra, seja lutando contra os extremistas ou por ter perdido pais
ou amigos.
Visitamos a S-21, antes uma escola, depois o principal centro de detenção e tortura do Khmer. As manchas de sangue no assoalho ainda são evidentes, e as celas ainda são conservadas de maneira assustadora. Em seguida, partimos para Choeung Ek, mais conhecido como Killing Fields, onde estimadas 17 mil pessoas foram executadas. Um monumento com mais de 900 crânios encontrados recentemente no local serve de memorial aos mortos.
Mas vamos ao lado bom da história. Não encontramos até o momento na viagem povo mais camarada do que o cambojano. Prontos para contar uma história, ajudar no que você precisa sem estar de olho no seu bolso, com um sorriso do tamanho do mundo. Como um povo tão sofrido e miserável pode ser tão otimista e boa praça? E parte do orgulho é porque eles são os donos das ruínas de Angkor, que já foi o centro de um império que se estendeu do que hoje é Myanmar até o Vietnã. Angkor Wat (o mais famoso e suntuoso dos templos) é motivo de orgulho nacional, está na bandeira, no dinheiro, no rótulo da principal cerveja do país e é símbolo da identidade desse povo buscando um futuro
melhor.
Não nos estenderemos nessa parte. O que é legal saber: Angkor Wat é o principal monumento religioso do mundo. É a jóia da coroa de um parque arqueológico que conta com centenas de outros templos, alguns até mais fotogênicos do que o próprio (os rostos no Bayon e a selva-templo de Ta Prohm, por exemplo), mas é de cair o queixo. Talvez ainda tenhamos nos impressionado mais com Machu Pichu, sobretudo pela localização nas montanhas, mas enquanto projeto arquitetônico e preservação, Angkor ganha de longe. Coloque já na sua lista de lugares para visitar antes de morrer.
P.S. Para quem quiser saber mais sobre o Khmer Vermelho e a história recente do Camboja, duas sugestões: O livro First they killed my father, contado sob o ponto de vista de uma cambojana que tinha 5 anos à época que os comunistas tomaram o poder, e o filme The Killing Fields, de Roland Joffé. O filme foi lançado no Brasil, o livro parece que não.
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Driks
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Muito mais do que paisagens fantásticas é a aula de história e de vida dessa gente e de tantas outras que pasaram pelo terror, enfrentaram o medo e de alguma forma deram a volta por cima.