Em algum lugar do passado


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Burma's flag
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January 11th 2013
Published: January 14th 2013
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YangonYangonYangon

Uma das principais avenidas da cidade
A Ásia que permeia o imaginário dos viajantes ocidentais é repleta de povos e vilarejos parados no tempo, campos de arroz a perder de vista, templos perdidos no meio da floresta, vegetação tropical intacta e nativos hospitaleiros e surpresos ao primeiro contato com os estrangeiros. A Ásia real é um pouco diferente desse cenário. Ainda que seja bastante plausível encontrar lugares idílicos e remotos no continente, do norte do Laos ao centro do Camboja, ou mesmo em uma ilha turística na Indonésia, a realidade é que a região, guardadas as devidas proporções, ja é tão moderna quanto qualquer canto do mundo tido como exótico. Isso se traduz em megalópoles que não deixam nada a dever a cidades como São Paulo e Nova York, adolescentes vestindo grifes internacionais e trocando mensagens de texto via aparelhos Apple e mesmo rincões escondidos onde casas simples de madeira já têm TV por satélite e búfalos deram lugar a scooters como meio de transporte. Perfeitamente compreensível.

Aí surge Myanmar no meio do caminho para quebrar alguns paradigmas. Visitar esse país é elevar a expressão choque cultural à décima potencia. Myanmar era mais conhecido por nós ocidentais como Birmânia (ou, ainda, Burma), nome dado pelos britânicos durante o período de colonização no século 19. Depois que os súditos da rainha foram embora, no final da década de 40, uma junta militar tomou o país de assalto, aplicando o mesmo socialismo rural utilizado pelo Khmer Vermelho no Camboja na década de 70, adotando atitudes xenófobas que levaram a sanções internacionais e, por tabela, trancando o país completamente - não apenas para o Ocidente, mas também para qualquer outra nação do planeta. Algumas eleições até foram feitas no meio do caminho, mas os militares se negaram a entregar o poder e prenderam candidatos da oposição como inimigos políticos. A principal opositora, e talvez o nome mais famoso desse país desconhecido, Aung San Suu Kyi, passou 15 dos últimos 22 anos em prisão domiciliar.

2012 trouxe novos ventos para Myanmar que, nos passos do que aconteceu em décadas recentes com a Indonésia, o Laos e o Camboja, começou um lento e atrasado, porém bastante comemorado pela comunidade internacional, processo de democratização e abertura para o exterior. Presos políticos foram libertados, novos partidos ganharam sinal verde para disputar eleições, Aung San foi libertada (e inclusive já começou um giro pelo exterior), Barack Obama deu um pulo no país para
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thanaka no rosto
reuniões com o governo e muitas das sanções aplicadas pela Europa e os EUA foram derrubadas. O país terá, inclusive, após décadas, o primeiro jornal diário privado a partir de abril deste ano. Pode ser apenas maquiagem, mas ao menos algo novo está acontecendo.

Foram-se as sanções, chegaram os turistas. Se o leitor tivesse apenas duas horas em Myanmar e não pudesse sequer sair do aeroporto internacional de Yangon (antiga capital Rangon), mesmo assim já teria histórias para contar. E seriam muitas. Basta alguns passos além da sala de desembarque para encontrar homens vestindo a tradicional saia longyi e mascando uma frutinha (betel nut) que deixa os dentes todos vermelhos, mulheres e crianças com a mais bizarra das maquiagens, a Thanaka (espécie de Sundown pré-histórico preparado a partir do carvalho e aplicado em forma de triângulo, círculo ou qualquer outro desenho na testa, nariz e bochecha), e carros que devem ter feito muito sucesso nas décadas de 60 e 70.

Mas, se o mesmo leitor tivesse mais algumas horas na cidade, a chance de escrever um livro sobre Yangon seria enorme. O ônibus que o hotel nos ofereceu como cortesia deve ter transportado muitas crianças para a escola em algum momento pré-golpe, lá no início dos anos 50. Basicamente era uma lata enferrujada, com bancos de couro rasgados e sentindo falta de pelo menos meia dúzia de janelas. Achamos que o fato de o motorista dirigir na mão direita era uma espécie de legado dos britânicos. Mais ou menos. A lei diz que sim, mas os carros, basicamente sucatas vindas do Japão e de outros países asiáticos, podem ter tanto a direção na direita quanto na esquerda, o que torna o trânsito especialmente pitoresco, para não dizer perigoso, em um continente conhecido pelo trânsito.....bem, pitoresco e perigoso.

Alguns viajantes mais intrépidos desafiam uma viagem para Myanmar há alguns anos, mas o país abriu para o turismo notadamente no ano passado (foram 260 mil turistas em 2012 ante 175 mil um ano antes). Isso se traduziu em um grande fluxo de ocidentais, de mochileiros a cinquentões com bastante dinheiro, que não conseguem sequer fazer uma reserva pela internet. A conexão é lenta, se não inexistente, e não há garantia de que seu e-mail será lido. O número de pousadas e hotéis é também bastante escasso nas quatro cidades que recebem o maior número de visitantes, e ouvimos histórias de pessoas dormindo em templos por falta de quartos.

Uma viagem por Myanmar pode ser feita de duas maneiras - molhando a mão do governo (ou seja, hospedando-se nos hotéis mais luxuosos, que também são escassos e que pertencem à elite militar ou a pessoas com conexões com a elite militar - aquelas mesmas que dirigem Jaguares em meio às centenas dos já mencionados veículos de 40 ou mais anos) ou apostando em pequenas pousadas, ajudando de certa forma essa população tão necessitada de dinheiro e de contato com o exterior. Mesmo assim, 10% do lucro desses pequenos empreendimentos vai parar nos cofres da junta militar, bem como todos os dólares coletados dos estrangeiros que visitam as principais atrações turísticas. É impossível uma visita por aqui não render algum troco para os fardados.

Chegamos em Yangon no dia 4 de janeiro, feriado da independência. Não havia dia melhor, já que basicamente toda a população estava nas ruas para algum tipo de diversão. Vimos muitos caras jogando futebol com uma bola produzida localmente e que mais parece uma pedra, e comunidades organizando atividades para as crianças. As ruas de Yangon são um catadão de casas e barracos, com ruas esburacadas e sem calçadas, com fios de alta tensão espalhados por todos os cantos e muito (muito!) lixo pelos cantos. Nos dias que passamos por aqui não cruzamos com uma farmácia sequer, ou mesmo um supermercado, ou posto de gasolina. O comércio limita-se basicamente a vendedores de rua, e em uma única rua que pode ser chamada de comercial vimos o que possivelmente deve ser o embrião de um futuro comércio como conhecemos, com uma loja novíssima de máquinas de lavar e outra de televisores. Encontrar algo de marca é tarefa quase impossível - Coca-Cola, por exemplo, apenas em dois ou três estabelecimentos, talvez para comemorar o retorno da marca ao pais, em setembro último, depois de 50 anos de ausência.

Caixas eletrônicos também são escassos, e dois ou três na cidade toda permitem saques com cartões internacionais. Talvez seja justamente isso que torne Myanmar tão especial para o viajante. Em que outro país desse século é possível encontrar um senhor digitando em uma máquina de escrever no meio da rua? Ou ainda andar em taxis (de vários formatos, alguns com bancos arrebentados, outros sem pino e maçaneta) em que os motoristas param 3 ou 4 vezes para perguntar a outros locais onde fica o destino que o turista quer ir? Ou mesmo conhecer charmosos prédios coloniais que não ganharam uma mão de tinta sequer em quase 100 anos? Sem contar a visita a Shwedagon Pagoda, um complexo budista com 82 prédios que talvez seja o mais bonito dos milhares de templos que já visitamos em todo o sudeste asiático.

Mas a lembrança que ficará mesmo é a do povo. Por todas as razões acima e pela falta total de contato com o mundo, Myanmar tem um dos povos mais cordiais e sorridentes do planeta (não é só nossa essa impressão, ouvimos o mesmo de diversas pessoas por aqui e também de outras que já pisaram nessas terras). Não raro fomos parados no meio da rua por curiosos que queriam apenas saber de onde vínhamos e para onde planejávamos ir em seguida. Qualquer conversa terminava com um "Bem-vindo a Myanmar" e um sorriso do tamanho do mundo. Fomos imensamente bem tratados até por quem trabalha diretamente com turismo, o que nem sempre acontece por essas bandas. A abertura, e o alto investimento chinês que o país tem recebido, deve mudar bastante o cenário nos próximos 5 a 10 anos, e talvez isso explique a corrida dos viajantes para conhecê-lo como ainda é - ouvimos de um australiano que as agências de viagem estão alardeando aos quatro cantos da Austrália que é bom viajar já, antes das mudanças.

Talvez, não seja preciso tanta pressa. Tendo em vista o que (não) existe hoje, o caminho a percorrer ainda é muito, muito longo. Ficamos na torcida para que a qualidade de vida dos locais melhore consideravelmente, mas que o país não se transforme em um destino abarrotado de turistas e com descaso do governo, como é a vizinha Tailândia; e que o sorriso e as maquiagens permaneçam no rosto dos burmaneses.


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garota pendura objeto...

prédios sem elevadores


21st January 2013

Really cool
Adorei!! É engraçado ver como em alguns lugares do mundo o tempo parou ou caminha lentamente. Com tanta coisa que viram, escreveram e fotografaram deste lugar, quais as chances de sair um livro sobre esse lugar? Vou esperar... quem sabe! ;-) saudades!
21st January 2013
Yangon

p.s.:
Faltou um p.s.: Tiveram "sorte" por estarem por aí após a volta da coca-cola, mas imagino como deve ter sido difícil ficar num lugar sem muita infraestrutura, né? Escolher o que comer quando não se tem muita opção... sei lá!

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